quinta-feira, 16 de agosto de 2018

A Marcha da Insensatez, de Barbara Tuchman


O Espectro das políticas autodestrutivas

Paulo Avelino

TUCHMAN, Barbara. A Marcha da Insensatez: de Troia ao Vietnã. Rio de Janeiro: José Olympio editora, 1986. 1a edição estadunidense, 1984. Tradução de Carlos de Oliveira Gomes. 448p.

Soberanos, cliques governamentais e até sociedades inteiras comprometem dinheiro, território e vidas a seguir políticas contrárias a seus próprios interesses. Contrárias porque inviáveis ou porque a recompensa do sucesso será muito menor que os custos do esforço. Isso é a própria definição de Insensatez.

Tal é a conclusão deste que foi um dos últimos trabalhos da historiadora estadunidense Barbara Tuchman. Analisa politicas insensatas na prática, e para isso escolhe quatro situações históricas.
A primeira consiste na paradigmática: os troianos decidem levar o cavalo de madeira para dentro de suas muralhas, com o resultado já conhecido. Seus líderes não erraram por falta de aviso: muitas vozes aconselharam que se livrassem do falso presente. Por insensatez não o fizeram.

Esse modelo de comportamento se reproduziu nos Papas da Renascença, talvez a parte mais saborosa do livro. Seis Pontífices se sucederam: fazedores de guerras, envolvidos em assassinatos, pais de filhos bastardos (e assassinos), sedentos por dinheiro e cargos para sua família, perdulários. Não faltaram denúncias por uma igreja mais santa. Não foram escutadas. Veio Lutero. Uma Igreja dividida até hoje foi o resultado da insensatez.

O mesmo ocorreu quando as colônias inglesas na América do Norte demonstraram descontentamento com a política tributária da metrópole, no século XVIII. Alguns políticos ingleses advertiram que isso era um erro. O governo inglês insistiu, radicalizou, o descontentamento se tornou guerra e o resultado foi a independência das colônias nos Estados Unidos.

Quase metade do livro se refere à última situação analisada, a política estadunidense no Vietnã, o que é compreensível tendo em vista a época em que a obra foi escrita, no rescaldo da derrota dos EUA. A historiadora identifica o princípio no final da Segunda Guerra, quando após o falecimento de Roosevelt o governo modificou a política anterior, que era de favorecimento à independência do país. Informes já afirmavam que havia forte desejo de libertação no Vietnã, e que nem os antigos colonizadores franceses nem o novo poder dos EUA poderiam sobrepujar isso.

Não foram ouvidos. Os governos estadunidenses comprometeram cada vez mais dinheiro, armas e vidas. Inicialmente apoiaram o colonialismo francês na sua luta contra a guerrilha nacionalista, depois comunista. Após a derrota francesa, os EUA sustentaram a criação de um país cliente, o Vietnã do Sul. Corrupção e facciosismo tomaram este último. Os americanos entraram diretamente, primeiro com aviões, depois com tropas em terra, apesar de relatórios denunciando a futilidade de tudo. Finalmente tiveram de sair corridos de sua embaixada em 1975, horas antes de os tanques do Vietnã do Norte derrubarem seus portões.

A historiadora afirma que nem tudo foi insensatez no passado. Políticas bem planificadas e bem sucedidas foram implementadas. O espectro da insensatez no entanto permanece, como ameaça e advertência para as sociedades.