As bases culturais do Armagedon
EKSTEINS, Modris. A
Sagração da Primavera: a Grande Guerra e o nascimento da Era Moderna
. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. 480p.
Um balé
estreia em certo teatro de Paris; um grupo de jovens corre em direção a pedaços
de chumbo que voam - e são mortos. Em sua obra de estreia o professor de
história letão-canadense Modris Eksteins procura interpretar a Primeira Guerra
Mundial evitando as tradicionais perorações sobre batalhas e generais. Intentou
o ângulo da História Cultural. No momento em que a Guerra completa cem anos de
início, vale uma revisão do seu ponto de vista.
A época do
conflito trouxe não só ela mas também a vanguarda cultural. Para o autor esses
fatos não são só contemporâneos mas interligados. Como momento simbólico
escolheu a Sagração da Primavera, balé que causou furor cerca de um ano
antes da catástrofe. Obra vanguardista, buscava o escândalo - fugia das
convenções de graciosidade do balé clássico e tratava de tema considerado até
então pouco estético: o assassinato de uma jovem, sacrificada para que a
primavera pudesse florescer. Para o autor a ligação é clara - o sacrifício de
uma jovem - o sacrifício de milhões de jovens em ataques para ganhar metros na
guerra.
Até então
pouco estético. Eksteins afirma que o Mundo do Século XX preconizou a
estetização da vida - inclusive do que em princípio causava repulsa, como a
morte e os conflitos armados. Essa nova visão da vida - e do seu contrário -
formou uma base de mentalidade imprescindível para o massacre aparentemente sem
fim.
Estetizado
como seu tema, o livro se divide em Atos. O primeiro se refere à mentalidade
cultural e seu papel nos inícios do conflito. O ponto alto consiste na muito
pesquisada descrição do que aconteceu na cidade de Berlim na última semana de
julho e na primeira de agosto de 1914, um contexto que geralmente é ignorado
pela torrente de livros que trata das declarações de guerra. Muitas obras descrevem
à exaustão um ou outro telegrama do Kaiser Guilherme ou do Chanceler
Bethmann-Hollweg. O que eles não informam é que pelas janelas esses homens
podiam escutar urros da multidão e bandas de música marciais clamando por
guerra. Isso o autor faz de forma segura.
Um homem
solitário chega em seu avião - no Terceiro Ato o livro salta nove anos e quase
literalmente aterrissa junto com Charles Lindbergh no aeroporto de Le Bourget em
Paris em 1927. Esta parte trata das consequências da guerra - que para o autor ultrapassaram
em muito o plano material. O aviador foi paparicado não só por ser um herói,
mas principalmente por ser um herói solitário. O homem só, individualizado,
quase desconectado. Esta, talvez, a maior herança do conflito.
Como todo tema muito explorado a Primeira Guerra Mundial deixa a
sensação que de alguma forma o principal ainda está por se dizer. Pode-se, e
talvez deva-se, discutir se a influência de fatores culturais não é superdimensionada
pelo autor. Mas o livro estabelece um ponto de vista surpreendente e produz
momentos deliciosos de leitura - estes, talvez o maior galardão de uma obra.