Os Estados fazem a
guerra
REMARQUE, Erich Maria. A Oeste nada de novo. Lisboa: Livros de
Bolso Europa-América, s/d. 204p.
Aperto a tecla pause desta lista de
resenhas de ensaios e incluo um romance. Para ser mais preciso, o romance de
certo Paul Baumer – dezoito anos, um esboço de peça teatral (“Saul”) na gaveta,
alguns poemas, o sonho de ser escritor, uma irmã triste e uma mãe com cancro. E
como sempre se passa em romances, aconteceu algo – Estados decidiram resolver
suas diferenças na marra – e ele pagou a conta.
Erich Maria Remarque tem muito de seu
personagem Paul: dezoito anos em 1916, convocaram-no ao sorvedouro de carne
chamado Primeira Guerra Mundial. A partir daí as lendas prevalecem: não se sabe
quantas vezes foi ferido, nem quanto tempo permaneceu realmente na lama das
trincheiras. Sabe-se que foi e viu a guerra – sem poemas nem baladas. Depois
disso tentou meia dúzia de profissões. Até que escreveu um livro para exorcizar
seus fantasmas – e o resultado foi o primeiro best-seller da era moderna, com um milhão de exemplares vendidos.
Im Westen nichts Neues trata de um grupo de estudantes alemães
embriagados de propaganda patriótica que se engaja como voluntários na guerra. O
primeiro cabo imbecil e o primeiro bombardeio dilaceram seu idealismo.
Neste livro escasseiam as datas,
nomes de batalhas e de planos, os quais fazem a estética dos livros de guerra –
quando vista pelos generais, que pouco sofrem as consequências dela. Para o
soldado comum resta uma pilha de momentos que não muita sequência formam entre
si, como uma espécie de eterno tempo presente. Este é o caroço da narrativa: um
ataque com gás, os abarracamentos, a visita aos feridos, um bombardeio que dura
dias, uma licença, a volta, o hospital. O tempo parece não passar.
Livro de fantasmas,
explicitamente se refere ao trauma dos jovens – pegos em uma cunha entre a
autoridade já frouxa dos pais e a influência ainda fraca das mulheres. Com a
vida partida, sentem-se descrentes – não revolucionários. O que pode servir
como exemplo para uma sociedade com muitos jovens na marginalidade: não são
eles os que fazem revoluções.
O Estado-nação aperfeiçoou seus
instrumentos durante o século XIX. Ou suas garras, poder-se-ia dizer. No caso
dos países desenvolvidos, isso desembocou na aliança de uma recém-criada
indústria química e metalúrgica com cliques de estados-maiores e necessidades
de expansão comercial. E o resultado foi o sacrifício de rapazes. Dos vinte
colegas de Paul Baumer, só um não saiu morto, amputado ou interno no manicômio.
A Primeira Guerra aplicou golpe
(merecidamente) duro em ideias como o progresso inevitável dos povos, a
superioridade moral dos europeus e o desenvolvimento como fator garantidor da
paz. Também na doutrina do Estado – na sua nobreza intrínseca e no dever
sacrossanto de defendê-lo. Foram esses até então inatacáveis Estados que
trucidaram os meninos do romance.