A serviço de uma ditadura
CASTILHO, José Manoel Tavares. Marcello Caetano: uma biografia política.
Prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa. Coimbra, Portugal: Edições Almedina, 2012.
991p.
O Presidente do Conselho de Ministros
pôs o pé fora do palácio e do poder no final daquele 25 de abril de 1974. Semanas
depois arranjou emprego como professor de direito comparado no Rio de Janeiro,
de onde nunca mais saiu até morrer seis anos depois.
O historiador José Manoel Tavares
Castilho fez escolhas nesta biografia de Marcello José das Neves Alves Caetano,
procurando entender como este advogado, professor e funcionário de seguradora saiu
de origens humildes para o poder quase absoluto em Portugal e em partes da
África. A opção do autor foi deixar o próprio biografado falar através de seus
discursos, livros e sua correspondência particular.
Pode-se ler o livro em três
blocos. O primeiro busca suas origens familiares, seu entrosamento na direita
católica, a relação com a família da esposa e as amizades que o fariam conhecido
do senhor inconteste de Portugal, o professor de finanças António de Oliveira
Salazar.
Que domina a segunda parte do
livro – uma das principais fontes consiste na volumosa correspondência entre o
maneiroso ditador e seu discípulo, que de vez em quando discordava de algum
detalhe do mestre mantendo-se caninamente fiel no essencial. Vemos Marcello
Caetano pular de cargo em cargo dentro da autocracia salazarista – chefe da
organização da juventude; membro do Conselho de Estado; chefe da organização
política oficial; Ministro das Colônias; Reitor da Universidade de Lisboa.
Depois de quase quatro décadas à
sombra de outro, Marcello Caetano finalmente sucede Salazar quando este se
acidenta. O autor esmiúça por quase metade do livro o período de mais de cinco
anos no cargo supremo – a tímida tentativa de liberalização, o isolamento do
setor reformista do governo, a progressiva perda de apoio do exército, a cada vez
mais desastrosa guerra colonial. Pode perceber como o biografado aos poucos perde
contato com a realidade política, até a derrubada.
Este livro tanto revela quanto
oculta. O leitor não encontrará uma descrição do regime salazarista. Questões
básicas como a situação econômica, quais grupos sociais apoiavam o regime, porque
uma ditadura advinda de um golpe militar (em 1926) tornou-se protagonizada por
um civil são deixadas sem resposta. Quanto a Marcello Caetano, o livro descreve
quase nada do grupo que o apoiava, por que tinha tanto prestígio de forma a
permanecer no círculo do poder por tanto tempo e faz uma elipse de seis anos –
entre 1962 e 1968, nos quais o biografado foi apenas professor. A pergunta
básica de por que o regime foi buscar um homem que estava havia tanto tempo sem
cargo para enfeixar o poder permanece sem resposta.
Trata-se de obra que exige um
conhecimento prévio da história portuguesa do século XX. O leitor não iniciado
nesse assunto talvez tenha dificuldades. Seu ponto forte é, no entanto,
enfatizar a justificação política de um regime anacrônico que levou Portugal a
um desastre político e militar na Europa e nas antigas Colônias, do qual ainda
se encontra em recuperação.