A serviço de uma ditadura
CASTILHO, José Manoel Tavares. Marcello Caetano: uma biografia política.
Prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa. Coimbra, Portugal: Edições Almedina, 2012.
991p.

O historiador José Manoel Tavares
Castilho fez escolhas nesta biografia de Marcello José das Neves Alves Caetano,
procurando entender como este advogado, professor e funcionário de seguradora saiu
de origens humildes para o poder quase absoluto em Portugal e em partes da
África. A opção do autor foi deixar o próprio biografado falar através de seus
discursos, livros e sua correspondência particular.
Pode-se ler o livro em três
blocos. O primeiro busca suas origens familiares, seu entrosamento na direita
católica, a relação com a família da esposa e as amizades que o fariam conhecido
do senhor inconteste de Portugal, o professor de finanças António de Oliveira
Salazar.
Que domina a segunda parte do
livro – uma das principais fontes consiste na volumosa correspondência entre o
maneiroso ditador e seu discípulo, que de vez em quando discordava de algum
detalhe do mestre mantendo-se caninamente fiel no essencial. Vemos Marcello
Caetano pular de cargo em cargo dentro da autocracia salazarista – chefe da
organização da juventude; membro do Conselho de Estado; chefe da organização
política oficial; Ministro das Colônias; Reitor da Universidade de Lisboa.
Depois de quase quatro décadas à
sombra de outro, Marcello Caetano finalmente sucede Salazar quando este se
acidenta. O autor esmiúça por quase metade do livro o período de mais de cinco
anos no cargo supremo – a tímida tentativa de liberalização, o isolamento do
setor reformista do governo, a progressiva perda de apoio do exército, a cada vez
mais desastrosa guerra colonial. Pode perceber como o biografado aos poucos perde
contato com a realidade política, até a derrubada.
Este livro tanto revela quanto
oculta. O leitor não encontrará uma descrição do regime salazarista. Questões
básicas como a situação econômica, quais grupos sociais apoiavam o regime, porque
uma ditadura advinda de um golpe militar (em 1926) tornou-se protagonizada por
um civil são deixadas sem resposta. Quanto a Marcello Caetano, o livro descreve
quase nada do grupo que o apoiava, por que tinha tanto prestígio de forma a
permanecer no círculo do poder por tanto tempo e faz uma elipse de seis anos –
entre 1962 e 1968, nos quais o biografado foi apenas professor. A pergunta
básica de por que o regime foi buscar um homem que estava havia tanto tempo sem
cargo para enfeixar o poder permanece sem resposta.
Trata-se de obra que exige um
conhecimento prévio da história portuguesa do século XX. O leitor não iniciado
nesse assunto talvez tenha dificuldades. Seu ponto forte é, no entanto,
enfatizar a justificação política de um regime anacrônico que levou Portugal a
um desastre político e militar na Europa e nas antigas Colônias, do qual ainda
se encontra em recuperação.