Enfim, um filósofo brasileiro
Paulo Avelino
FARIAS BRITO, Raymundo de. A Base Física do Espírito. Brasília:
Senado Federal, 2006. 334p. (Edições do Senado Federal, volume 53.)
Raymundo de Farias Brito morreu a
16 de Janeiro de 1917 e esse centenário nos leva a revisitar a obra do primeiro
e talvez único brasileiro que se propôs a uma obra filosófica original.
Farias Brito nasceu em 1862 na
pequena São Benedito, no Ceará. Estudou Direito na Escola do Recife, tomada por
estudantes positivistas e materialistas - as correntes europeias que modulavam
o pensamento da época. Formado, voltou para o Ceará, onde foi promotor público
e professor. Em 1902 migrou para a próspera Belém da época da borracha, na qual
ensinou e viveu sete anos. Finalmente transferiu-se para o Rio, onde assumiu a
cadeira de lógica do Colégio Pedro II depois do assassinato do titular Euclides
da Cunha. Viveu na então capital federal até sua morte.
A par dessa atividade pedagógica
e burocrática, Farias Brito lia. E lia massivamente. Até mesmo os adversários no
pensamento reconheciam que Farias Brito lera quase tudo o que se escrevera
sobre filosofia nos três séculos anteriores.
Dessa massa de conhecimento
coerentizada por um propósito central nasceu sua obra. E o propósito era moral.
Para Farias, o objetivo da Filosofia é orientar como de viver a vida: se não sei o que sou, nem para que vim ao
mundo, não posso saber uma norma de conduta.
Em busca por esta lei moral Farias
escreveu muitas obras. Publicou A Filosofia
como Atividade Permanente do Espírito com 32 anos de idade, e não parou
mais. Seguiram-se entre outras a Filosofia
Moderna (1899), A Verdade como Regra
das Ações (1905) e O Mundo Interior (1914).
Publicou A Base Física do Espírito em 1912, um amplo tratado sobre a
evolução dos estudos psicológicos nos séculos anteriores. Farias dava não pouca
importância à Psicologia. Para ele a Filosofia era paixão do conhecimento, e
sua obra era uma tentativa de resolver os problemas da Filosofia através da
Psicologia Transcendente, ou seja, a que fica em uma esfera superior à
experiência e que não pode ser atingida pela experiência.
Segundo Farias, a crise do
pensamento filosófico surgira desde as obras de René Descartes e Francis Bacon.
Estas iniciaram as primeiras dúvidas sobre as condições do conhecimento humano
– e sobre sua possibilidade. Antes, acreditava-se que o homem podia saber
perfeitamente as coisas fora de si. A filosofia depois deles questionou isso, o
que culminou na obra cética de David Hume, para o qual os fenômenos do espírito
são simplesmente impressões de nossa sensibilidade e não se ligam a qualquer
substrato permanente, bem dentro nem fora de nós.
Essa crítica dissolvente, para
Farias, originou o criticismo kantiano e o positivismo, noções nas quais ele
reconhece méritos, porém que no todo considera responsáveis pela confusão do
mundo contemporâneo.
Raimundo de Farias Brito mostrou
que é possível fazer uma obra universal, aqui no Brasil, em Fortaleza ou Belém,
mesmo antes da Internet e das livrarias online.
Pois o cérebro humano transcende fronteiras.