terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A Base Física do Espírito, de Farias Brito

Enfim, um filósofo brasileiro

Paulo Avelino

FARIAS BRITO, Raymundo de. A Base Física do Espírito. Brasília: Senado Federal, 2006. 334p. (Edições do Senado Federal, volume 53.)

Raymundo de Farias Brito morreu a 16 de Janeiro de 1917 e esse centenário nos leva a revisitar a obra do primeiro e talvez único brasileiro que se propôs a uma obra filosófica original.

Farias Brito nasceu em 1862 na pequena São Benedito, no Ceará. Estudou Direito na Escola do Recife, tomada por estudantes positivistas e materialistas - as correntes europeias que modulavam o pensamento da época. Formado, voltou para o Ceará, onde foi promotor público e professor. Em 1902 migrou para a próspera Belém da época da borracha, na qual ensinou e viveu sete anos. Finalmente transferiu-se para o Rio, onde assumiu a cadeira de lógica do Colégio Pedro II depois do assassinato do titular Euclides da Cunha. Viveu na então capital federal até sua morte.

A par dessa atividade pedagógica e burocrática, Farias Brito lia. E lia massivamente. Até mesmo os adversários no pensamento reconheciam que Farias Brito lera quase tudo o que se escrevera sobre filosofia nos três séculos anteriores.

Dessa massa de conhecimento coerentizada por um propósito central nasceu sua obra. E o propósito era moral. Para Farias, o objetivo da Filosofia é orientar como de viver a vida: se não sei o que sou, nem para que vim ao mundo, não posso saber uma norma de conduta.

Em busca por esta lei moral Farias escreveu muitas obras. Publicou A Filosofia como Atividade Permanente do Espírito com 32 anos de idade, e não parou mais. Seguiram-se entre outras a Filosofia Moderna (1899), A Verdade como Regra das Ações (1905) e O Mundo Interior (1914).

Publicou A Base Física do Espírito em 1912, um amplo tratado sobre a evolução dos estudos psicológicos nos séculos anteriores. Farias dava não pouca importância à Psicologia. Para ele a Filosofia era paixão do conhecimento, e sua obra era uma tentativa de resolver os problemas da Filosofia através da Psicologia Transcendente, ou seja, a que fica em uma esfera superior à experiência e que não pode ser atingida pela experiência.

Segundo Farias, a crise do pensamento filosófico surgira desde as obras de René Descartes e Francis Bacon. Estas iniciaram as primeiras dúvidas sobre as condições do conhecimento humano – e sobre sua possibilidade. Antes, acreditava-se que o homem podia saber perfeitamente as coisas fora de si. A filosofia depois deles questionou isso, o que culminou na obra cética de David Hume, para o qual os fenômenos do espírito são simplesmente impressões de nossa sensibilidade e não se ligam a qualquer substrato permanente, bem dentro nem fora de nós.

Essa crítica dissolvente, para Farias, originou o criticismo kantiano e o positivismo, noções nas quais ele reconhece méritos, porém que no todo considera responsáveis pela confusão do mundo contemporâneo.


Raimundo de Farias Brito mostrou que é possível fazer uma obra universal, aqui no Brasil, em Fortaleza ou Belém, mesmo antes da Internet e das livrarias online. Pois o cérebro humano transcende fronteiras.