segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Contra as Eleições, de David van Reybrouck


Eleições como inimigas da democracia

Paulo Avelino

REYBROUCK, David van. Contra as Eleições. Belo Horizonte: Âyine, 2017. Tradução de Flávio Quintale. 286p.

Há algo estranho com a democracia: todos parecem desejá-la, mas ninguém acredita mais nela – esta é literalmente a primeira frase do livro. Seguem-se estatísticas a demonstrar que em todo o mundo a democracia desfruta de alto prestígio. Trata-se de novidade histórica: no tempo da Segunda Guerra a democracia era desprezada, com poucas delas a funcionar no mundo.

Essa popularidade contrasta com a percentagem de pessoas que diz não dar importância a parlamentos, com o absenteísmo nos pleitos, e com os números cada vez menores de filiação a partidos políticos. Para essa contraditória porém real crise este pequeno ensaio pretende sugerir uma resposta.

O belga David van Reybrouck não é o circunspecto especialista que se poderia esperar. Já escreveu antropologia, história da África e peças de teatro. Nesse trabalho enfrenta a questão do sistema político de hoje.

E não o faz de maneira de maneira a apenas narrar, mas visa também a oferecer soluções. Depois de constatar a crise, analisa os diagnósticos correntes. A culpa seria dos políticos, da tecnocracia, da própria representação. Critica todas essas análises, e afirma que podem originar remédios inefetivos ou piores que a doença, caso da eleição de líderes demagógicos que se elegem com meia dúzia de frases feitas com apelo emocional, ou pelo assembleísmo que paralisa as decisões. A democracia, segundo ele, precisa conciliar duas necessidades: a eficiência e a legitimidade.

Propõe outro diagnóstico: a culpa seria da representação eleita, e a palavra-chave é “eleita”. Em afirmação ousada, diz que eleições fazem mal à democracia. É plenamente consciente do impacto do que fala, em um mundo em que democracia e eleições se tornaram praticamente sinônimos.

Para desfazer essa ideia, o autor esmiúça as origens gregas da ideia democrática e sua evolução em cidades-estados na Idade Média e Renascimento. Estabelece que, em tais exemplos históricos, a escolha de governantes e legisladores se fazia fundamentalmente por sorteio, sendo eleições um aspecto secundário no sistema político.

Em seguida investiga as origens do sistema eleitoral atual, nos séculos XVIII e XIX. Para talvez surpresa de muitos, afirma que as eleições foram estabelecidas não para fazer com que o próprio se governasse, mas para criar uma camada diferenciada, que governaria.

Para os males das eleições sugere um sistema de câmaras múltiplas, com  rigorosa divisão de poderes, cujos membros seriam escolhidos por sorteio, com voluntariado em alguns poucos casos. Os sorteados contariam com assessoria técnica no seu trabalho de elaborar as leis.

Pode-se concordar ou não com as ideias de van Reybrock, e especialmente com suas sugestões. Mas dificilmente se pode contestar a tempestividade de seu ensaio. A eleição de líderes de pensamento simplista, com muita retórica e poucas soluções concretas, além do apelo ao emocionalismo, tornam urgente a reforma do modelo democrático atual, sob pena de sua destruição.

E o que vier depois pode ser muito pior.