Eleições como inimigas da democracia
Paulo Avelino
REYBROUCK, David van.
Contra as Eleições. Belo Horizonte: Âyine, 2017. Tradução de
Flávio Quintale. 286p.
Há algo estranho com a democracia: todos parecem desejá-la, mas ninguém
acredita mais nela – esta é literalmente a primeira frase do livro.
Seguem-se estatísticas a demonstrar que em todo o mundo a democracia desfruta
de alto prestígio. Trata-se de novidade histórica: no tempo da Segunda Guerra a
democracia era desprezada, com poucas delas a funcionar no mundo.
Essa popularidade contrasta com a
percentagem de pessoas que diz não dar importância a parlamentos, com o absenteísmo
nos pleitos, e com os números cada vez menores de filiação a partidos
políticos. Para essa contraditória porém real crise este pequeno ensaio
pretende sugerir uma resposta.
O belga David van Reybrouck não é
o circunspecto especialista que se poderia esperar. Já escreveu antropologia,
história da África e peças de teatro. Nesse trabalho enfrenta a questão do
sistema político de hoje.
E não o faz de maneira de maneira
a apenas narrar, mas visa também a oferecer soluções. Depois de constatar a
crise, analisa os diagnósticos correntes. A culpa seria dos políticos, da tecnocracia,
da própria representação. Critica todas essas análises, e afirma que podem
originar remédios inefetivos ou piores que a doença, caso da eleição de líderes
demagógicos que se elegem com meia dúzia de frases feitas com apelo emocional,
ou pelo assembleísmo que paralisa as decisões. A democracia, segundo ele,
precisa conciliar duas necessidades: a eficiência e a legitimidade.
Propõe outro diagnóstico: a culpa
seria da representação eleita, e a palavra-chave é “eleita”. Em afirmação
ousada, diz que eleições fazem mal à democracia. É plenamente consciente do
impacto do que fala, em um mundo em que democracia e eleições se tornaram praticamente
sinônimos.
Para desfazer essa ideia, o autor
esmiúça as origens gregas da ideia democrática e sua evolução em cidades-estados
na Idade Média e Renascimento. Estabelece que, em tais exemplos históricos, a
escolha de governantes e legisladores se fazia fundamentalmente por sorteio,
sendo eleições um aspecto secundário no sistema político.
Em seguida investiga as origens do
sistema eleitoral atual, nos séculos XVIII e XIX. Para talvez surpresa de
muitos, afirma que as eleições foram estabelecidas não para fazer com que o próprio
se governasse, mas para criar uma camada diferenciada, que governaria.
Para os males das eleições sugere
um sistema de câmaras múltiplas, com rigorosa
divisão de poderes, cujos membros seriam escolhidos por sorteio, com
voluntariado em alguns poucos casos. Os sorteados contariam com assessoria técnica
no seu trabalho de elaborar as leis.
Pode-se concordar ou não com as
ideias de van Reybrock, e especialmente com suas sugestões. Mas dificilmente se
pode contestar a tempestividade de seu ensaio. A eleição de líderes de
pensamento simplista, com muita retórica e poucas soluções concretas, além do
apelo ao emocionalismo, tornam urgente a reforma do modelo democrático atual,
sob pena de sua destruição.
E o que vier depois pode ser
muito pior.