Tragédias à porta
Paulo Avelino
WALLACE-WELLS, David. The uninhabitable Earth: life after warming. New York: Tim Duggan Books, 2019. 310p.
Primeiro o calor atmosférico,
destruindo vidas em suas ondas; depois, a fome, com dezenas de milhões de
migrantes a bater às portas de países ricos que não querem recebê-los; ao mesmo
tempo as enchentes, com cidades costeiras a serem corroídas pela maré
crescente; seguidos dos incêndios e deslizamentos e continua por aí. Pragas
bíblicas em esteroides, as calamidades decorrentes do aquecimento global tornam
quase ridícula a escala dos problemas do velho Egito do tempo dos profetas.
Nisso consiste a mensagem do livro
de estreia do jornalista nova-iorquino David Wallace-Wells, editor de
periódicos culturais. Não sendo especialista, consultou a bibliografia e
entrevistou profissionais e desse trabalho decorreu esse livro que não se trata
de um documento sobre a ciência do aquecimento global, mas de um apanhado das
hipóteses mais prováveis do que ocorrerá com nosso mundo nas décadas a seguir.
E o quadro, em geral, não é belo.
Após uma parte introdutória na qual sintetiza os problemas, segue-se uma série
de capítulos, cada um dedicado ao que podemos rotular de uma desgraça. Os
desastres assim chamados naturais não podem mais ser assim considerados, haverá
falta de água potável, o ar já está sujo e se tornará mais ainda, ondas de
novas doenças desconhecidas e de velhas doenças reforçadas atormentarão os
humanos, a economia sofrerá com uma produção cada vez menor e como cereja do
bolo ainda teremos guerras por questões de clima.
Um velho aforismo da arte de
escrever ficção diz que não se pode escrever muitas desgraças seguidas, pois o
leitor tende a se desengajar. Por isso os filmes de terror, quando exagerados, terminam
por fazer parte da plateia rir de tanta tragédia. Este é um dos efeitos da
leitura desse livro. O aquecimento global atinge os vitais interesses humanos
de maneira tão destruidora e diversificada, segundo o autor, que o leitor quase
que naturaliza as desgraças, e cada página virada o faz não só esperar, como
(quase) querer mais.
Há, no entanto, o pior. Segundo o
livro, a maior parte das pessoas pensa no aquecimento global como um evento lá
pelo final do século, um futuro enevoado, a ser visto no máximo pelos bebezinhos
de hoje quando chegarem uma sólida terceira idade. Não é o caso. Os efeitos, ou
seja, as marés altas, os incêndios e as vagas de migrantes a causar
instabilidade política estarão entre nós em questão de décadas, talvez uma
década, e alguns de seus efeitos já se fazem sentir. Isso muda a perspectiva do
futuro de nossas próprias vidas.
O autor não consegue explicar bem
uma questão – a de por que, em meio a tanta miséria, ele mesmo teve uma filha
recentemente. Titubeia, fala de luta, de estar fascinando pelos problemas que a
filha vai ver, na parte talvez menos
convincente da obra.
Pode-se criticar a falta de
interesse na América Latina e no Brasil em particular, excetuando algumas
menções à floresta amazônica. No geral é livro assutador, o que, da perspectiva
do jornalista, talvez seja um elogio.