Multifacetas de um pensador da América Latina
FURTADO, Celso. Celso Furtado Essencial. 1ª ed. São Paulo: Penguin
Classics Companhia das Letras. 2013. 527p. (Organização e notas de Rosa Freire
D´Aguiar).
Ter ou não acesso à criatividade, essa é a questão. A frase fecha o
ensaio “Reflexões sobre a cultura brasileira” e sintetiza um dos eixos do
pensamento de Celso Furtado (1920-1984) e desta seleção de algumas de suas
obras, realizada por sua viúva Rosa Freire D´Aguiar. A obra do economista
nordestino é multidimensional e este pequeno volume o atesta: desde a teoria e
a história econômica até áreas menos esperáveis como ciência e criatividade, muito
das ciências humanas foram objeto de suas preocupações.
A América Latina deve resolver
seus problemas e carece de teoria para tanto e o teorizar enquanto se faz parece ser uma sina. O mesmo aconteceu com
Celso: nunca um teórico nem um administrador puros, a primeira parte do volume
elenca trechos autobiográficos, entre os quais destaque-se sua passagem pela
Comissão Econômica para a América Latina – Cepal. Tal órgão representou talvez
a primeira tentativa séria de pensar o continente a partir de dentro. Lembremos
o líder de tal escola, o argentino Raúl Prebisch, cuja biografia já foi objeto
de resenha
neste blog.
Retratado pelos apologistas da
Ditadura Militar como um marxista raivoso, Celso nunca foi isso – e o autor
desta resenha pode atestá-lo pessoalmente. Em lançamento de livro em 1984,
impressionou-me sua calma – que se pode confirmar em suas entrevistas na mídia.
Em termos teóricos, o marxismo clássico não dirige seu pensamento. Celso
acredita em sérias ligações entre a base material de uma sociedade e suas
expressões política, administrativa e cultural. Mas não crê em uma determinação
de todo o demais pelo econômico.
Coletânea
multifacetada de um autor que também o é, alguns trechos (talvez não os menos
interessantes) destacam o papel propulsor da cultura. Isso se dá entre países:
em “Subdesenvolvimento e dependência” o autor descreve como as sociedades
periféricas destinadas a produzir em função das economias cêntricas absorvem a
cultura destas últimas, particularmente em uma classe privilegiada
relativamente pequena, e isso gera pressões permanentes no balanço de
pagamentos em função de uma propensão a consumir bens da cultura fonte. Também
pode se dar entre regiões: o ensaio “Operação Nordeste” enfatiza como, enquanto
a natureza do Nordeste é bem adaptada à carência de água, a estrutura
econômica-social que para lá se transplantou não o é.
Ele mesmo disse
que a questão é saber quais povos contribuirão para o enriquecimento do
patrimônio cultural da Humanidade, e quais se resignarão a consumidores de bens
culturais alheios. Aqueles que pensam o Brasil e a América Latina não podem
perder Celso Furtado de vista. Não para repeti-lo, mas para utilizar sua
abordagem multidisciplinar e que buscava sempre a origem dos problemas.
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