quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Eva Perón, a biografia, de Alicia Dujovne Ortiz

Eva, a primeira mulher do Estado

Eva Perón, la biografía, de Alícia Dujovne Ortiz
ORTIZ, Alicia Dujovne. Eva Perón, la biografia. Buenos Aires: Suma de Letras Argentina, 2002. 510p.

Eva Duarte nasceu em 1919 em uma Argentina que, como ela, regurgitava de contradições. Pobre em um país de alta renda per capita, sem muita comida em uma sociedade que transbordava trigo e carne, discriminada em um Estado nominalmente democrático: escarneciam dela porque seus pais nunca se tinham casado. Viveria pouco mais de três décadas: curto tempo em que ela ajudaria a transformar a nação.

A jornalista argentina radicada na França Alícia Dujovne Ortiz procura equilibrar a narrativa de Eva mulher com a política, e quase sempre o consegue. Eva Duarte vem a Buenos Aires nos anos 30 em busca de sucesso. Capital que vivia a década infame, de regressão econômica e governos pouco efetivos, ao final dos quais algumas patentes do exército fãs do fascismo se uniram para mudar o estado de coisas, talvez pela força. Enquanto isso Eva canta e representa no rádio com sua voz pouco mais que medíocre.

Sua vida e a Argentina mudam quando o Grupo de Oficiais Unidos derruba o governo em 1943, e um coronel viúvo e boxeador chamado Juan Domingo Perón recebe o recebe o então pouco importante Ministério do Trabalho. Um evento de caridade une o militar e a atriz de segunda.

Eva, já então Perón, aos poucos percebe a força da máquina sindical. A Argentina se transformara: uma multidão vinda das províncias se acumulava na capital, onde prosperava uma indústria protegida pelas crises e guerras europeias. Mas não só Eva. Os oficiais do exército, assustados com seu Ministro, derrubam-no e o prendem. Pressionados pelos sindicatos, têm de soltá-lo. Ele fez o seu primeiro discurso importante e fundou o movimento que ainda hoje prevalece no segundo maior país do continente: o Peronismo.

Juan já eleito presidente, Eva se faz primeira-dama. Diferente das predecessoras, mistura-se com o povo. Atende os pobres, fala com eles, dá-lhes bolas de futebol, remédios contra urticária e vestidos. Em pouco não é mais Eva Perón: tornara-se Evita, a mãe dos descamisados, cuja vontade de poder só não era maior que a veneração por seu marido.

O livro descreve um Estado em desenvolvimento e mais do que isso, a criação de uma forma de ser Estado. O Peronismo representa uma forma de poder pelo contato direto entre o grande líder e os governados. Desconfia da mediação de sindicatos e partidos, mais manipulados pelo líder que propriamente respeitados. Evita representa plenamente esta tendência: seu contato é maternal, face-a-face. Claro que cobra um preço: a obra revela negócios bem pouco honrosos, inclusive com proteção de foragidos nazistas. Esse lado negativo foi esquecido: a morte prematura em 1952 congelou o sorriso de Evita no imaginário do povo.

Acusa-se o Papa Francisco de peronismo. Tem algum sentido: certo desvio da burocracia vaticana e os gestos diretos para a massa de fiéis lembram o movimento argentino. Se assim for, o peronismo de certa forma atingiu o mundo. Evita, a menina pobre tornada rica e protetora dos que permaneceram pobres, ajudou a fazer do peronismo aquilo que ele é.

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