A Antiutopia da Cidade Moderna
DAVIS, Mike. Planeta Favela. Tradução de Beatriz Medina. Posfácio de Ermínia
Maricato. São Paulo: Boitempo, 2006. 272p.
Em poucos anos algum agricultor
ou família empobrecida se cansará da falta de perspectivas no campo e se mudará
para as cercanias de Lagos, Nigéria; Jacarta, Indonésia; ou Lima, Peru. Este
fato não gerará nenhuma manchete. No entanto será um acontecimento fundamental
na história da Humanidade. Pela primeira vez desde o Neolítico viverão mais
seres humanos nas cidades que no campo.
O professor e militante
californiano Mike Davis começa desta forma poética seu livro-libelo sobre a habitação
urbana. Esse mundo de cidades (no entanto) não seguirá a utopia de ferro e vidro
imaginada por arquitetos modernistas e escritores de ficção. Será um planeta de
favelas.
As estatísticas nacionais com
critérios viesados impedem uma medida exata do número de favelas ou de seus
habitantes. No entanto as favelas apesar de funestas e inseguras têm um esplêndido
futuro, nas palavras do autor. Discute-se se a cifra de dois bilhões de
favelados será alcançada em 2030 ou 2040. De qualquer forma por volta de 2035 a
pobreza humana se tornará predominantemente urbana, após milênios de estada no
campo.
A realidade acachapante não é resultado
de alguma inevitabilidade histórica. O autor apresenta políticas de Estado que causaram
ou agravaram o fenômeno – algumas até bem-intencionadas.
Os ajustes econômicos para pagar
dívidas nos anos 80 e 90 arrastaram marés de favelas, que afetaram inclusive o
Brasil. Poucos se lembram que em 1970 apenas 1,2% da população da cidade de São
Paulo morava em favelas. Em 2005 essa proporção havia quase decuplicado, para
11%.
A tendência de habitações urbanas
precárias gerou nova corrente de pensamento: as favelas não seriam problema, e
sim solução – centros vibrantes de energia e criatividade, necessitando apenas
de regularização da posse da terra e microcrédito. Tal pensamento florescente
no Banco Mundial oculta os limites da autoajuda, especificamente a explosão de
preços que acompanha a regularização, que ocasiona a expulsão dos mais pobres
das próprias favelas e gera uma surpreendente porém lógica favelização da
favelização.
Os programas da assim chamada
remodelação ou modernização urbanas também ajudam a multiplicar o número de
pessoas em habitações precárias. Nestes se encontra um fato bem atual no
Brasil: os eventos internacionais, especificamente as Copas do Mundo e
Olimpíadas, também servem de pretexto a dolorosas remoções de pessoas para
abertura de espaços higienizados e propícios ao lucro privado.
Obra mais de denúncia e informação
que de aprofundamento teorético, Planeta
Favela não oferece soluções, limitando-se no seu epílogo a apontar
perplexidades. A massa de pobres urbanos constitui uma humanidade excedente?
Eles se revoltarão à maneira clássica? Ou as dificuldades da vida diária
manterão seus conflitos entre si, em uma involução urbana? São perguntas a
serem respondidas por todos, habitantes ou não de favelas.
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