De Joaquim de Fiore ao Padre Cícero
COHN, Norman.
Na Senda do Milênio: Milenaristas
Revolucionários e Anarquistas Místicos da idade Média. Tradução de Fernando
Neves e Antônio Vasconcelos. Lisboa: Editorial Presença, 1980. 333p.
Um enxame de moscas o atacou em
uma floresta. Perturbado, viveu um par de anos como eremita, vestindo-se de
peles de animais e orando. Começou a caminhar pelo mundo. O povo o seguia.
Ganhou fama de santo (a multidão aumentava). A Igreja oficial no começo o
apoiava. Depois passou a desconfiar dele e finalmente a hostilizá-lo. Os
proprietários passaram a não gostar da sua conversa sobre justiça. Uma patrulha
o cortou literalmente em pedaços. Seus seguidores, dispersos, continuaram a
acreditar que era um santo homem.
Poderia ser a história de Antônio
Conselheiro, do Beato José Lourenço ou mesmo do Padre Cícero – mas se trata de um
monge sem nome do Século VI, perto da cidade de Tours na França. O professor
universitário britânico Norman Cohn conta sua história logo no começo deste
ensaio publicado originalmente em 1957, e depois desta muitas outras histórias
de homens santos se sucedem.
Na Senda do Milênio procura analisar as agitações político-religiosas
entre os pobres desenraizados do Norte e do Centro da Europa na Baixa Idade
Média. Os desenraizados, frisa o autor. Não necessariamente os pobres. Para
Norman Cohn, a pobreza tradicional dentro do sistema de vida antigo
proporcionava uma vida terrível aos pobres – mas segura. As modificações
advindas da crescente penetração das transações comerciais envolvendo moeda abalaram
esse modo de vida, criando riqueza – e uma desigualdade social antes
impensável.
Esta mudança da sociedade
encontrou um caldo de cultura formado por uma tradição de escritos
apocalípticos que vinham desde a cultura judaica pré-cristã – a qual narrava o
fim do mundo, que se misturava a uma antiga tradição dissidente dentro da
Igreja, tradição esta que clamava pela volta a uma vida apostólica sem a
corrupção do clero hodierno.
Esses fatores se conjugaram para
o surgimento de movimentos milenaristas que pugnavam por uma salvação coletiva,
terrena (ainda neste mundo), iminente (estaria próxima), total (o novo mundo
seria perfeito), e miraculosa (seria realizada com ajuda do sobrenatural). Esta
transformação viria como resposta a um mundo tomado pela ganância. Tais
movimentos podiam ser (e muitas vezes eram) violentos. Os Tafurs massacraram muçulmanos na época das cruzadas, os Pauperes matavam judeus e depois membros
do clero.
Um legado duradouro dos
movimentos milenaristas é a crença na existência de três estados na humanidade,
o terceiro dos quais seria perfeito. Esta quimera viria das profecias do monge
Joaquim de Fiore e teria ressonâncias longínquas na teoria marxista e na ideia
de um Terceiro Reich.
O autor não pesquisou e mal se
refere a movimentos milenaristas fora de seu período escolhido. Um brasileiro
não deixa de lembrar agitações que ocorreram ao final do século XIX e começos
do XX em territórios tão díspares como Canudos na Bahia e o Contestado em Santa
Catarina. É de se lamentar que o autor não tenha tido conhecimento deles. Mostram
que o milenarismo se encontra bem próximo de nós, talvez mais ainda que dos
europeus.
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