segunda-feira, 18 de março de 2019

A Terra Inabitável, de David Wallace-Wells


Tragédias à porta

Paulo Avelino

WALLACE-WELLS, David. The uninhabitable Earth: life after warming. New York: Tim Duggan Books, 2019. 310p.

Primeiro o calor atmosférico, destruindo vidas em suas ondas; depois, a fome, com dezenas de milhões de migrantes a bater às portas de países ricos que não querem recebê-los; ao mesmo tempo as enchentes, com cidades costeiras a serem corroídas pela maré crescente; seguidos dos incêndios e deslizamentos e continua por aí. Pragas bíblicas em esteroides, as calamidades decorrentes do aquecimento global tornam quase ridícula a escala dos problemas do velho Egito do tempo dos profetas.

Nisso consiste a mensagem do livro de estreia do jornalista nova-iorquino David Wallace-Wells, editor de periódicos culturais. Não sendo especialista, consultou a bibliografia e entrevistou profissionais e desse trabalho decorreu esse livro que não se trata de um documento sobre a ciência do aquecimento global, mas de um apanhado das hipóteses mais prováveis do que ocorrerá com nosso mundo nas décadas a seguir.

E o quadro, em geral, não é belo. Após uma parte introdutória na qual sintetiza os problemas, segue-se uma série de capítulos, cada um dedicado ao que podemos rotular de uma desgraça. Os desastres assim chamados naturais não podem mais ser assim considerados, haverá falta de água potável, o ar já está sujo e se tornará mais ainda, ondas de novas doenças desconhecidas e de velhas doenças reforçadas atormentarão os humanos, a economia sofrerá com uma produção cada vez menor e como cereja do bolo ainda teremos guerras por questões de clima.

Um velho aforismo da arte de escrever ficção diz que não se pode escrever muitas desgraças seguidas, pois o leitor tende a se desengajar. Por isso os filmes de terror, quando exagerados, terminam por fazer parte da plateia rir de tanta tragédia. Este é um dos efeitos da leitura desse livro. O aquecimento global atinge os vitais interesses humanos de maneira tão destruidora e diversificada, segundo o autor, que o leitor quase que naturaliza as desgraças, e cada página virada o faz não só esperar, como (quase) querer mais.

Há, no entanto, o pior. Segundo o livro, a maior parte das pessoas pensa no aquecimento global como um evento lá pelo final do século, um futuro enevoado, a ser visto no máximo pelos bebezinhos de hoje quando chegarem uma sólida terceira idade. Não é o caso. Os efeitos, ou seja, as marés altas, os incêndios e as vagas de migrantes a causar instabilidade política estarão entre nós em questão de décadas, talvez uma década, e alguns de seus efeitos já se fazem sentir. Isso muda a perspectiva do futuro de nossas próprias vidas.

O autor não consegue explicar bem uma questão – a de por que, em meio a tanta miséria, ele mesmo teve uma filha recentemente. Titubeia, fala de luta, de estar fascinando pelos problemas que a filha vai ver,  na parte talvez menos convincente da obra.

Pode-se criticar a falta de interesse na América Latina e no Brasil em particular, excetuando algumas menções à floresta amazônica. No geral é livro assutador, o que, da perspectiva do jornalista, talvez seja um elogio.


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