Técnicas e crises alimentando o mundo
MAZOYER, Marcel, e ROUDART, Laurence. História das Agriculturas no Mundo: do
neolítico à crise contemporânea. São Paulo: Unesp/Ministério do Desenvolvimento
Agrário, 2010. 567p.
Certa espécie animal vivia de caçar outros animais e
de colher frutos e raízes. Há uns doze mil anos aprendeu que cultivar plantas e
pastorear outras espécies possibilitava uma produção maior e mais estável. Não
foi a primeira: certas espécies de formigas também cultivam e criam. Mas a
agricultura da nova espécie os homo
sapiens sapiens é a única a incorporar vagas de inovações tecnológicas, as
quais se difundem, entram em crise e ocasionam o surgimento de outras.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário teve de apoiar
a tradução para o português do amplíssimo painel que os veteranos professores franceses
Mazoyer e Roudart escreveram sobre a tradição agrária e pastoril da Humanidade.
Compreensível o pouco interesse das editoras – trata-se de obra que se esmera
pela precisão e por tentar não deixar pontas soltas. E esmera-se na precisão, às
vezes à custa da leveza.
Os autores descrevem como a espécie agora agricultora
deparou com um planeta coberto de florestas – e começou a derrubá-las. Do recuo
da cobertura florestal surgiram os sistemas agriculturais diferenciados. Analisam
em detalhe a agricultura do Egito, baseada no sistema hídrico possibilitado
pelas cheias do Nilo. Também o plantio em patamares de montanha aperfeiçoado
pelos incas e destruído pelos europeus.
A obra passa então a seu ponto forte, a análise da
agricultura de zona temperada e sua evolução no último par de milênios. Detém-se
na agricultura de tração leve praticada pelos romanos e pelos reinos que os
sucederam no começo da Idade Média. Baseava-se ela também na permanência de uma
boa fatia do terreno em descanso, o chamado alqueive. Os equipamentos
utilizados eram poucos e simples.
Logo depois do ano 1000 completou-se na Europa um
novo sistema que incluía uma utilização mais extensa do cavalo com uso de ferradura,
puxando arados com mais peças de ferro, e com cultivos mais diversificados para
recuperar as terras cansadas, o que exigiu mais forragem, serviços de ferraria
e incorporação de novas espécies. Chamam a este novo sistema de tração pesada, que ocasionou o
surgimento do capitalismo e que entrou em crise por volta do século XIV – a primeira
crise agrícola.
E encontramo-nos novamente em crise. Para os autores
esta tem origem nas sucessivas vagas de mecanização que engolfaram a agricultura
desde o século XVIII, junto com o barateamento dos custos de transporte que
possibilitaram a criação de um mercado mundial virtualmente único, ao menos
para os cereais de base. O resultado dessa maior concorrência foi o esmagamento
de grandes massas de agricultores em países de agricultura tecnologicamente mais
atrasada. Para os autores, a solução da crise passa pela recuperação desses
camponeses, com o estabelecimento de preços diferenciados para blocos de países
com produtividades agrícolas semelhantes.
Trata-se de obra ampla, às vezes árida, mas cujo rigor
contribui para esclarecer o leitor sobre a evolução da agricultura e seu papel
na história do mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário