sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Kennedy e Salazar, de José Freire Antunes

O Colonialismo entre fogos

ANTUNES, José Freire. Kennedy e Salazar: o Leão e a Raposa. Alfragide, Portugal: Edições Dom Quixote, 2013. 452p.

Os demônios [se estes existissem] pareceram ter aberto suas comportas ao mesmo tempo sobre os mesmos homens. Políticos sem voto livre, sem carisma e com muito poder enfeixavam nas mãos um dos países mais antigos da Europa e o maior Império Colonial ainda existente: Marcello Caetano, Marcelo Mathias, Adriano Moreira, Franco Nogueira, Kaulza de Arriaga e acima de tudo aquele de quem os outros eram pouco mais que marionetes, Antônio de Oliveira Salazar. Eles dominavam havia três décadas e sem muitos problemas. Agora os teriam, e muitos.

O professor de relações internacionais português radicado nos EUA José Freire Antunes realizou ambicioso panorama das relações entre EUA e Portugal desde a Segunda Guerra. De todo o período, o mais interessante se condensa em apenas um ano, 1961, o ano terrível do salazarismo.

O mais importante fator a dar errado se deu em Washington: um milionário filho de milionários, bem-parecido e com a esposa mais bela ainda, foi eleito para a Casa Branca. John Fitzgerald Kennedy vinha com jovens assessores e ideias novas. Uma delas dizia respeito à África: os EUA apoiariam decididamente a independência das antigas colônias, e nessa decisão o idealismo entrava a braços com o interesse de manter os comunistas de Khruschev à distância.

Havia uma pedra no caminho dessa política: Salazar. O ditador não queria nem começar a cogitar 
independência para Moçambique, Guiné e Angola.

Portugal precisava dos EUA, por razões óbvias. Mas os EUA também precisavam de Portugal. A Base das Lajes, nos Açores, era essencial para o jogo de Guerra Fria estadunidense contra a União Soviética.

O livro consiste nesse xadrez, com os EUA a tentar empurrar seu aliado a de alguma forma mudar sua política, porém sem enfurecer Salazar de forma a este expulsar os estadunidenses de sua preciosa base. De sua parte Salazar procurava convencer Kennedy de que Portugal era o bastião dos próprios interesses dos EUA contra o comunismo internacional. Com enormes fatores complicadores, como o começo da guerra civil em Angola e a invasão de Goa pela Índia. Nomes que depois se tornariam importantes da política africana como Holden Roberto, Jonas Savimbi e Agostinho Neto aparecem, ainda no começo de suas trajetórias.

O autor se baseia nos arquivos estadunidenses da CIA e do Departamento de Estado. Quando cita fontes portuguesas, quase sempre se trata de entrevistas com velhos hierarcas do regime. Pouco utilizou de fontes africanas. Há momentos divertidos, como as farpas lançadas pelo elegante embaixador estadunidense na Índia, John Kenneth Galbraith, contra o embaixador em Portugal, Charles Burke Elbrick, este famoso no Brasil por sido posteriormente vítima de sequestro político. O livro toma no entanto uma trilha mais ditada pelos interesses dos EUA.

Trata-se de ensaio de interesse para quem quer saber mais sobre o salazarismo, e sobre a Administração do quase lendário presidente estadunidense.

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