O Colonialismo entre fogos
ANTUNES, José
Freire. Kennedy e Salazar: o Leão e a Raposa. Alfragide, Portugal: Edições
Dom Quixote, 2013. 452p.
Os demônios [se estes existissem]
pareceram ter aberto suas comportas ao mesmo tempo sobre os mesmos homens. Políticos
sem voto livre, sem carisma e com muito poder enfeixavam nas mãos um dos países
mais antigos da Europa e o maior Império Colonial ainda existente: Marcello
Caetano, Marcelo Mathias, Adriano Moreira, Franco Nogueira, Kaulza de Arriaga e
acima de tudo aquele de quem os outros eram pouco mais que marionetes, Antônio
de Oliveira Salazar. Eles dominavam havia três décadas e sem muitos problemas. Agora
os teriam, e muitos.
O professor de relações internacionais
português radicado nos EUA José Freire Antunes realizou ambicioso panorama das
relações entre EUA e Portugal desde a Segunda Guerra. De todo o período, o mais
interessante se condensa em apenas um ano, 1961, o ano terrível do salazarismo.
O mais importante fator a dar
errado se deu em Washington: um milionário filho de milionários, bem-parecido e
com a esposa mais bela ainda, foi eleito para a Casa Branca. John Fitzgerald
Kennedy vinha com jovens assessores e ideias novas. Uma delas dizia respeito à
África: os EUA apoiariam decididamente a independência das antigas colônias, e
nessa decisão o idealismo entrava a braços com o interesse de manter os
comunistas de Khruschev à distância.
Havia uma pedra no caminho dessa
política: Salazar. O ditador não queria nem começar a cogitar
independência
para Moçambique, Guiné e Angola.
Portugal precisava dos EUA, por
razões óbvias. Mas os EUA também precisavam de Portugal. A Base das Lajes, nos
Açores, era essencial para o jogo de Guerra Fria estadunidense contra a União Soviética.
O livro consiste nesse xadrez,
com os EUA a tentar empurrar seu aliado a de alguma forma mudar sua política, porém
sem enfurecer Salazar de forma a este expulsar os estadunidenses de sua
preciosa base. De sua parte Salazar procurava convencer Kennedy de que Portugal
era o bastião dos próprios interesses dos EUA contra o comunismo internacional.
Com enormes fatores complicadores, como o começo da guerra civil em Angola e a
invasão de Goa pela Índia. Nomes que depois se tornariam importantes da
política africana como Holden Roberto, Jonas Savimbi e Agostinho Neto aparecem,
ainda no começo de suas trajetórias.
O autor se baseia nos arquivos
estadunidenses da CIA e do Departamento de Estado. Quando cita fontes
portuguesas, quase sempre se trata de entrevistas com velhos hierarcas do
regime. Pouco utilizou de fontes africanas. Há momentos divertidos, como as
farpas lançadas pelo elegante embaixador estadunidense na Índia, John Kenneth
Galbraith, contra o embaixador em Portugal, Charles Burke Elbrick, este famoso
no Brasil por sido posteriormente vítima de sequestro político. O livro toma no
entanto uma trilha mais ditada pelos interesses dos EUA.
Trata-se de ensaio de interesse
para quem quer saber mais sobre o salazarismo, e sobre a Administração do quase
lendário presidente estadunidense.
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