sexta-feira, 2 de junho de 2017

A Guerra que Portugal quis esquecer, de Manuel Carvalho

Uma Surreal Guerra

CARVALHO, Manuel. A Guerra que Portugal quis esquecer: o desastre do exército português em Moçambique na Primeira Guerra Mundial. Porto: Porto Editora, 2015. 269p.

Paulo Avelino


Os europeus desenharam fronteiras em mapas, desentenderam-se e fizeram guerras. Mataram-se e mataram aos locais. Deixaram cemitérios que hoje a floresta engole. Esta é a síntese.

Portugueses e alemães guerrearam entre 1914 e 1918 nos territórios dos atuais Moçambique e Tanzânia - uma frente da Primeira Guerra Mundial. Envolveram-se também britânicos, belgas e colonizadores sul-africanos – além dos africanos, que pagaram o maior preço. Hoje poucos o sabem – mesmo nos países envolvidos. O jornalista português Manuel Carvalho conta a história de um conflito olvidado.

Os portugueses dominavam parte da costa oriental da África desde o século XVI (Moçambique). Os alemães poucas décadas antes tomaram uma parte ao norte (a atual Tanzânia). Os Britânicos assenhorearam-se da região mais ao norte ainda (o atual Quênia). Quando as potências entrarem em guerra em julho de 1914, essas colônias também se arrastaram ao conflito.

A grande Mídia só uma vez catapultou essa guerra ao primeiro plano – no filme Entre Dois Amores (Out of Africa) na qual o charmosíssimo casal Meryl Streep e Robert Redford vive história de paixão entre matas e guerra.

O livro relata a participação lusitana na guerra. Uma pesquisa bem executada leva o leitor a lugares como o rio Rovuma, Mocimboa da Praia, Porto Amélia, Pemba, Palma, Mtwara, cabo Delgado – lugares em que mais de uma centena de milhares de pessoas viveram e mataram e morreram.

O recente governo republicano de Lisboa comprometeu-se firmemente com a guerra, embora nem tanto com os meios para sua realização. Sucessivas expedições com tropas padeceram de falhas básicas de logística, materiais, treinamento, remédios, até água potável no local. Tão terrível quanto os alemães, a malária e as anemias mataram bem mais. Muitas tropas eram compostas em grande parte de marginais, e nenhuma teve treino adequado para o combate em terreno africano.

Juntam-se a grandiosidade e a podridão de todo colonialismo – conhecemos gente como o capitão Teixeira Pinto, que antes já submetera os guineenses à submissão. Os alemães o vararam de balas em uma trincheira na batalha de Negomano. Ou como Paul Emil von Lettow-Vorbeck, o comandante alemão que se convenceu de que resistir era possível, mesmo cercado e sem receber suprimentos da Europa. E foi possível – para azar das pessoas que moravam nas regiões onde ele fez a guerra. Também figuram fatos como a Campanha do Barué – uma guerra de terra arrasada contra uma tribo supostamente rebelada, que resultou nos saques, escravidão e milhares de mortos típicos do processo colonizador.


Trata-se de livro com visão mais jornalística que historiográfica. Privilegia mais a descrição documentada dos fatos que a análise profunda de suas causas e de seu contexto, embora esta não esteja ausente. Vale pelo conhecimento de uma realidade sanguinária e surreal – europeus a lutarem por uma terra distante por uma guerra mais ainda.

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