O Mundo não tão belo que a TV criou
Paulo Avelino
POSTMAN, Neil. Amusing
ourselves to Death: public discourse in the age of show business. Estados
Unidos: Penguin, 2005. 1a ed. 1985. Com nova introdução por Andrew Postman. 175p.
Uma música animadinha anuncia o
começo. A dupla de apresentadores enche a tela. Belos, maquiados, paletó e
terninho de executiva, eles anunciam as notícias do dia. E se seguem enchentes,
gols da decisão do dia anterior, tranquilizadoras explicações de algum ministro.
Raros assuntos duram mais que quarenta e cinco segundos. Depois de noticiar uma
ameaça de seca, eles sorriem e dão boa noite. Corta para um comercial de
margarina.
De tanto vermos cenas como esta,
elas nos parecem naturais. Para o professor da Universidade de Nova Iorque Neil
Postman, nada disso o é. Ele escreveu esse pequeno ensaio em 1984-1985, quando a
grande ameaça era uma guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética, e
a pletora de computadores pessoais ligados à Internet estava longe de existir.
O autor parte da afirmação que o
meio molda a mensagem: não se pode dizer qualquer coisa em qualquer meio de
comunicação. Ele analisa a televisão enquanto epistemologia.
Para tanto ele faz um confronto
entre dois meios de comunicação: a televisão e aquele que a precedeu, a palavra
impressa. Cada um desses meios criou um modo de pensar e um modo de viver
diferente.
A palavra impressa convida à
exposição lógica, ao detalhamento, à não-contradição. Todos esses elementos podem
falhar em um texto impresso, e tais falhas podem ser percebidas pelo leitor.
Acima de tudo, a palavra impressa tem um conteúdo, que pode ser verdadeiro ou
falso, relevante ou não. Pode parecer óbvio, mas o meio seguinte se caracteriza
exatamente pelo conteúdo ser nele marginal ou irrelevante. A palavra impressa possibilitou
gerações de pregadores, políticos e advogados com uma tendência para o discurso
lógico e ordenado.
No século XX veio a TV. E a
essência do discurso televisivo é o entretenimento. Uma dupla de apresentadores
nos apresenta pedaços de discurso sobre fatos desconectados, resume-os em um
rótulo “notícias do dia”, muitas delas tragédias, e se despede pedindo para assistirmos
de novo amanhã. Vários desses assuntos dariam material para noites sem dormir. Mas
a televisão transforma tudo em entretenimento.
Não é que o discurso impresso
fosse sempre sério. Pelo contrário, o autor afirma que a imprensa produziu toneladas
de bobagem. E não é que a TV não possa se dedicar a assuntos chamados sérios.
Apenas é que, pelas próprias características da TV, ela só desenvolve esses assuntos
como diversão.
O problema é querer usar a TV
para esferas aos quais ela não se adequa, como a política, a religião e a
educação. O autor afirma que o problema não são os programas de entretenimento:
TV é para isso mesmo.
Portman no seu livro não conheceu
a Internet. Muitas de suas afirmações podem no entanto ser aplicadas, até de
forma amplificada, à nova mídia. Para o leitor brasileiro, vale salientar que o
livro se refere quase que exclusivamente aos Estados Unidos. O livro no entanto
merece a leitura. Para percebermos que o sorridente e belo casal de apresentadores
não é tão natural, nem tão inocente assim.
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