O Espectro das políticas autodestrutivas
Paulo Avelino
TUCHMAN, Barbara. A Marcha da Insensatez: de Troia ao Vietnã. Rio
de Janeiro: José Olympio editora, 1986. 1a edição estadunidense, 1984. Tradução
de Carlos de Oliveira Gomes. 448p.
Soberanos, cliques governamentais
e até sociedades inteiras comprometem dinheiro, território e vidas a seguir
políticas contrárias a seus próprios interesses. Contrárias porque inviáveis ou
porque a recompensa do sucesso será muito menor que os custos do esforço. Isso
é a própria definição de Insensatez.
Tal é a conclusão deste que foi
um dos últimos trabalhos da historiadora estadunidense Barbara Tuchman. Analisa
politicas insensatas na prática, e para isso escolhe quatro situações
históricas.
A primeira consiste na paradigmática:
os troianos decidem levar o cavalo de madeira para dentro de suas muralhas, com
o resultado já conhecido. Seus líderes não erraram por falta de aviso: muitas
vozes aconselharam que se livrassem do falso presente. Por insensatez não o
fizeram.
Esse modelo de comportamento se
reproduziu nos Papas da Renascença, talvez a parte mais saborosa do livro. Seis
Pontífices se sucederam: fazedores de guerras, envolvidos em assassinatos, pais
de filhos bastardos (e assassinos), sedentos por dinheiro e cargos para sua
família, perdulários. Não faltaram denúncias por uma igreja mais santa. Não
foram escutadas. Veio Lutero. Uma Igreja dividida até hoje foi o resultado da
insensatez.
O mesmo ocorreu quando as
colônias inglesas na América do Norte demonstraram descontentamento com a
política tributária da metrópole, no século XVIII. Alguns políticos ingleses advertiram
que isso era um erro. O governo inglês insistiu, radicalizou, o
descontentamento se tornou guerra e o resultado foi a independência das
colônias nos Estados Unidos.
Quase metade do livro se refere à
última situação analisada, a política estadunidense no Vietnã, o que é
compreensível tendo em vista a época em que a obra foi escrita, no rescaldo da
derrota dos EUA. A historiadora identifica o princípio no final da Segunda
Guerra, quando após o falecimento de Roosevelt o governo modificou a política
anterior, que era de favorecimento à independência do país. Informes já
afirmavam que havia forte desejo de libertação no Vietnã, e que nem os antigos
colonizadores franceses nem o novo poder dos EUA poderiam sobrepujar isso.
Não foram ouvidos. Os governos
estadunidenses comprometeram cada vez mais dinheiro, armas e vidas. Inicialmente
apoiaram o colonialismo francês na sua luta contra a guerrilha nacionalista,
depois comunista. Após a derrota francesa, os EUA sustentaram a criação de um
país cliente, o Vietnã do Sul. Corrupção e facciosismo tomaram este último. Os
americanos entraram diretamente, primeiro com aviões, depois com tropas em
terra, apesar de relatórios denunciando a futilidade de tudo. Finalmente
tiveram de sair corridos de sua embaixada em 1975, horas antes de os tanques do
Vietnã do Norte derrubarem seus portões.
A historiadora afirma que nem
tudo foi insensatez no passado. Políticas bem planificadas e bem sucedidas
foram implementadas. O espectro da insensatez no entanto permanece, como ameaça
e advertência para as sociedades.
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