Paulo Avelino
NORWICH, John Julius. A History
of Venice. Londres, Reino Unido: Penguin Books, 2012. 673p.
Talvez a mais ilustre licitação
de obra pública de toda a História aconteceu em Veneza no século XVI. Precisava-se
construir uma nova ponte. No mesmo lugar havia uma ponte de madeira, que fora
destruída por duas vezes, por uma revolta e outra vez por um motivo mais
trágico ainda, pelo peso da multidão que se reunira para uma festa. Finalmente
a Signoria (governo da cidade) decidiu resolver o problema de uma vez
por todas e fazer uma ponte de pedra. Lançou a licitação. Arquitetos enviaram
seus projetos. Todos os concorrentes constam na Wikipedia e na História: Sansovino,
Vignola, Scamozzi e Palladio, todos célebres e com opulentos currículos de
palácios e igrejas. Mas havia mais um arquiteto concorrente: um certo
Michelangelo, autor de uma certa Pietá e de uma certa Capela Sistina.
Assim é Veneza. Uma República
independente que durou do ano 421 (segundo a lenda) até 1797 quando Napoleão
enviou soldados para conquistá-la. República em uma Europa coalhada de
monarquias e República estável em uma Itália infestada por irrequietos condottieri
(senhores da guerra). E hoje uma cidade desse novo país, a Itália - só que
os ônibus são aquáticos, assim como os táxis aquáticos para os apressados, os
caminhões de entrega, de lixo e de bombeiros – todos aquáticos a deslizar nos
canais entre prédios que não mudaram muito pelo menos nos últimos 200 anos. O
historiador inglês John Julius Norwich era conhecido por sua atuação na
televisão britânica. Escreveu nos anos 1970 este longo hino em prosa de amor à
cidade. Veneza é única.
Essa originalidade leva a uma
multiplicidade de facetas da Urbe, e entre todas o autor escolheu a que
provavelmente tem menos interesse para o turista encantado que compra esse
volume. Trata-se de uma história política e até certo ponto militar da
Sereníssima República de Veneza. O leitor interessado nas maravilhas de
Tintoretto e Bellini recebe páginas a falar de hoje obscuros Doges ou de
guerras entre cidades italianas na Renascença tão confusas que é de se
perguntar se seus protagonistas mesmo as entendiam. Boa parte do livro se passa
longe da cidade pois descreve guerras em suas colônias, como Chipre e Creta.
Aspectos como a base econômica
disso não são praticamente tratados. Particularmente certos aspectos pouco
nobres do comércio veneziano, como o tráfico de escravos, principalmente da
região dos Bálcãs. A cidade em si é pouco enfatizada. A cidade – sua expansão,
arquiteturas, lógica urbana, escolas de
arte, estrangeiros ilustres que por lá passaram, além de costumes como o
carnaval, que se expandiu até o Brasil.
Ainda assim se trata de uma boa
introdução a Veneza. Quanto à licitação, nenhum dos ilustres concorrentes a
venceu, nem mesmo Michelângelo. Quem ganhou o contrato foi um certo e
corretamente nomeado Antônio da Ponte. A Ponte é a do Rialto, um dos
cartões-postais da cidade, que multidões cruzam hoje sem que desabe – o que
mostra que o desconhecido vencedor da licitação não era tão ruim assim, afinal.
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