Lembranças da Cruz Vermelha
JUNOD,
Marcel. Le Troisième Combattant. Genebra: Comitê Internacional da Cruz
Vermelha, 1989. 371p.
Não a menos dramática passagem de
uma obra na qual momentos dramáticos não faltam, esta frase exemplifica a
sóbria tensão de um livro-testemunho. Começa com um telefonema para um rapaz no
final de 1935. Um amigo lhe fazia uma oferta de mudar de emprego: deixaria o
seu atual, um confortável posto de chefe de departamento cirúrgico, e partiria
para uma guerra.
Os fascistas italianos tinham
acabado de invadir a Etiópia. E a oferta era para ele viajar ao país invadido
como delegado da Cruz Vermelha, para fiscalizar o cumprimento das convenções
internacionais sobre tratamento de feridos e prisioneiros. Não pertenceria portanto
a nenhum dos dois lados de toda guerra. Seria o Terceiro Combatente.
O jovem suíço Dr. Marcel Junod aceitou.
E pelas próximas centenas de páginas vemos um relato de testemunha ocular de
campos de batalha e de prisioneiros, desde Adis Abeba até Hiroshima.
O livro transmite a delicadíssima
posição de um fiscal da Cruz Vermelha. Homem sem armas, transita entre homens muito
bem armados, oficiais de exércitos, pedindo para que eles tenham exatamente o
que são treinados para não ter – empatia pelo sofrimento humano, especialmente
do inimigo.
Para poder circular por todos os
lados em conflito o delegado deve adotar uma neutralidade quase exasperante. No
entanto pode-se perceber a indignação do autor diante da injustiça. Logo no
começo do livro ele observa que as tropas italianas que iriam matar etíopes
passavam pelo canal de Suez, então propriedade britânica. Se os ingleses
fechassem o canal, não haveria guerra.
Mas os ingleses não fecharam.
Preferiram cobrar uma taxa caríssima por mercadoria transportada, em ouro, o que
levou os fascistas a fazerem uma campanha por doação de joias de família, com
grande apoio popular. Os súditos da Rainha ganharam seu dinheiro e os fascistas
a sua guerra. São os deslizes dos senhores britânicos nas suas relações com o
totalitarismo fascista, hoje esquecidos.
Um ponto alto acontece quando o
autor procurou salvar prisioneiros de guerra ameaçados de fuzilamento por
Hitler. Correu por estradas pequenas repetindo-se os nomes de alguns dos homens
cujas vidas terminou por poupar.
Este livro publicado inicialmente
em 1957 permite entrever os fatores que possibilitaram a permanência e o
sucesso desta organização caritativa internacional. O primeiro deles talvez
seja o seu caráter tentacular: existe a Cruz Vermelha de cada país. Congregam-se
no Comitê Internacional da Cruz Vermelha, com sede em Genebra, na Suíça. Foi deste
que o Dr. Junod foi empregado.
Outro aspecto é o de sua estrita
neutralidade e atuação com concordância das partes beligerantes. No decorrer da
leitura é difícil não simpatizar com aquele médico que, com voz suave, dizia na
cara de certos senhores que eles não estão cumprindo com as convenções
assinadas. Dito de outra forma, que eram criminosos.
Trata-se de uma boa introdução ao
conhecimento desta organização presente em todo o mundo, a Cruz Vermelha.