sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Colapso, de Jared Diamond

A Terra importa


DIAMOND, Jared. Colapso – por que umas sociedades perduram e outras desaparecem. 6ª ed. Barcelona: Delbolsillo, 2012. 746p.

Certa sociedade não existe mais: viajantes do século XVIII encontraram poucos habitantes meio famintos numa terra sem árvores dignas do nome, e que de vez em quando se dedicavam à (triste) incumbência de destruir os monumentos da civilização de outrora. Que não eram de pouca importância – ainda hoje constituem um cartão postal dos mais conhecidos do planeta.

O estilo do professor Jared Diamond explica não pequena parte de seu sucesso. Esse veterano biólogo e ornitologista escreve colocando-se ao nível do leitor. No seu livro não faltam impressões de viagem de mochileiro – como quando diz que caminhar sobre certa rocha cortante nos atóis do Pacífico (como ele o fez) é sentir-se na sucursal do Inferno. O linguajar pesado dos especialistas e sua aparente carência de incertezas é posto de lado. Em mais este livro Jared se pergunta por que algumas sociedades deixam de existir enquanto outras perduram.

Um aluno seu certa vez lhe perguntou o que pensou o habitante da ilha de Páscoa quando derrubou a última árvore grande. Esta é a sociedade decadente que destruía seus monumentos. Jared responde que provavelmente não pensou nada – era uma palmeirinha tão insignificante que a memória das grandes árvores (tão necessárias para a pesca) já se tinha esvaído. Permeia todo o livro a noção de ecocídio - a destruição deliberada por uma sociedade humana dos meios necessários para sua sobrevivência.

O autor recusa que só a deterioração ambiental seja a responsável pelo fim de uma sociedade. Enumera cinco fatores: dano ambiental, mudança climática, existência de vizinhos hostis, existência de sócios comerciais amistosos – esses quatro podem ou não ser relevantes. O quinto fator sempre o é: a resposta que a sociedade dá a seus problemas de meio ambiente.

O autor percorre épocas e locais de quase todo o mundo em busca de exemplos de sociedades que não sobreviveram – e de outras que o fizeram. O caso da Ilha de Páscoa assusta: uma ilha isolada no meio do oceano, tendo que viver apenas de seus meios e com uma sociedade suficientemente estúpida para gastar sua energia em guerras e luxos para os ricos e destruir o meio ambiente do qual dependia. A semelhança com certo planeta isolado no meio do espaço não deixa de inquietar.

A colônia norueguesa na Groenlândia, as ilhas Henderson e Pitcairn no Pacífico, os Maias na América Central, todos eles viveram o mesmo ciclo de desflorestamento, mudança ambiental, falta de adaptação e subsequente desparecimento enquanto sociedade. Regiões atuais como o estado de Montana nos Estados Unidos sofrem também de sérios problemas na sua base ecológica. Por outro lado, islandeses, dominicanos e japoneses souberam dar respostas adequadas.

A conclusão é sóbria: as sociedades devem se adaptar – tomar medidas mitigadoras e conter o luxo dos seus ricos. Por necessidade de sobrevivência.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Nasser, o Último Árabe, de Said K. Aburish

Na encruzilhada - Nasser


ABURISH, Said K.
Nasser – the Last Arab. New York: Thomas Dunne, 2004. 355p.

Gamal Abdel Nasser nasceu numa aldeia do delta do Nilo, tomou em um golpe o poder no Egito e só saiu dele dezoito anos depois, diabético, puxando de uma perna e enfartado em 1970. Li esta obra menos interessado no antigo presidente egípcio do que no Egito atual – entalado em uma revolução que parece não chegar a lugar algum.

O veterano jornalista egípcio Said K. Aburish escreveu uma biografia política: diz pouco sobre a infância e juventude do personagem, e de sua vida pessoal nada informa além de que era bem casado, amava os filhos e tinha uma saúde catastrófica.

Nasser galvanizou o nacionalismo árabe – a ideia de que a língua pode servir de ponto de união para pessoas que ocupam uma faixa no Planeta que vai do Golfo Pérsico até o Oceano Atlântico. O livro pode ser visto como uma tentativa de compreender o fracasso desta ideia, suplantada pelo islamismo político. No centro dessa encruzilhada ideológica, Nasser.

Líder de um movimento de oficiais com ideias tão bem-intencionadas quanto confusas, tomou o poder em 1952. [Um de seus subordinados depois ganharia notoriedade, o major Anwar El Sadat, que tem a antipatia do autor]. Fez a reforma agrária em um país em que poucos paxás monopolizavam grandes nacos de terra. Barrou o rio Nilo em Assuã para possibilitar irrigação. E acima de tudo usou o rádio. Pelas emissoras oficiais pregava a unidade dos árabes.

Traçadas por franceses e ingleses ao fim da Primeira Guerra, as fronteiras árabes abrigavam países frágeis dominados por oligarquias dependentes das grandes potências, e tanto as oligarquias quanto as potências desconfiavam daquela voz – Iraque e Arábia Saudita à frente.  Havia também Israel, pequeno país dividido entre um grupo de poder que queria paz com os vizinhos e outro que queria a guerra – com a vitória deste último.

O livro relata bem o surgimento das duas forças políticas do Egito de hoje. De um lado a Irmandade Muçulmana – movimento de direita que nunca teve problemas de fazer acordos com os britânicos ou com qualquer imperialismo – e de outro, o exército. Nasser achou uma maneira de não ser derrubado – deixou o exército a cargo de seu melhor amigo e se retirou dele. O Coronel Amer transformou o exército em uma máquina de negócios pouco lícitos, dominado por oficiais mais interessados em festinhas com haxixe liberado e atrizes bonitas. Claro que o desempenho em guerras era pífio, tendo perdido as de 1956 e 1967.

Aburish não se aprofunda muito no programa nasserista de substituição de importações, nem na breve discussão da identidade egípcia (se mediterrânea, árabe ou islâmica), e nem porque a partir dos anos 50 os EUA, ao substituírem ingleses e franceses, escolheram um apoio quase incondicional a Israel como eixo.


O Oriente Médio e o Egito quase sempre aparecem nos noticiários, nem sempre por belas razões. Para compreendê-los, esse livro ajuda.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

De Consumidor a Cidadão, de Albert Hirschman

Gritando de máscara contra a Copa


HIRSCHMAN, Albert. De Consumidor a Cidadão: atividade privada e participação na vida pública. São Paulo: editora brasiliense, 1983. 145p.

O economista germano-estadunidense Albert Otto Hirschman não participou das passeatas que sacudiram o Brasil em junho de 2013, mas poderia. Ele se intitulava um eterno dissidente –esse é o nome que ele se deu nas suas memórias. O Brasil não lhe era desconhecido – citava o país com frequência em seus livros. Ele nos deixou há pouco (morreu em dezembro de 2012) e legou este pequeno ensaio sobre o que motiva um indivíduo a sair da vida meramente individual para a participação política, e que o leva a percorrer o caminho inverso.

O autor procura um modelo que seja a um tempo cíclico e endógeno – as mudanças de comportamento dependeriam mais de uma dinâmica própria que de qualquer fator externo, e não teriam necessariamente um fim. A decepção é o fator central da sua tese.

A vida de viver só para si e para a família, sem se meter em política, greves, partidos ou outros bichos tem seus encantos mas há serpentes nesse mato. O s bens se dividem entre os que são destruídos no ato do consumo e os que não o são. Os primeiros têm a vantagem de decepcionar menos. É difícil por exemplo decepcionar-se muito com comida – logo depois vem outra refeição e a experiência má logo é esquecida. Já um carro - que depois de comprá-lo descobrimos que podíamos ter comprado um melhor por um terço a menos do preço -permanece como espinho.

E os bens duráveis também se podem dividir. Há os que são usados todos os dias – e estes, passado o período de sua aquisição, não causam mais nenhum prazer – embora causem decepção quando falham. Os bens que são usados de forma mais ou menos rara, como máquinas fotográficas, podem causar mais prazer, o que não os impede de também decepcionar.

E o problema: depois de imenso esforço o indivíduo consegue utilitário esportivo e compras em Miami, e então paira a terrível pergunta: E daí??

A vida pública pode ser uma resposta. Mas esta tem também suas arapucas. A participação política devora o tempo da pessoa. E os resultados são muito aquém das expectativas– estas são sempre exageradas. Todo militante sonha com mudanças radicais e negligencia as menores, que são as que ocorrem. E os movimentos políticos têm uma lógica própria, e frequentemente escapam do controle de seus iniciadores, o que também gera decepção.

Quem não tem bens quer apenas tê-los. Quem os tem é que se decepciona. E quem se decepciona é quem se revolta. A centralidade da decepção também explica que são os decepcionados que se revoltam, não os destituídos. Semelha com certo país cujas condições melhoraram um pouco e a população talvez por isso estourou em passeatas.

O autor não se propõe a resolver a questão. Aponta que tudo talvez tenha como fonte uma separação por demais radical entre o privado e o público, e uma convergência dos dois talvez fosse uma solução. #Ficaadica. De qualquer forma lendo o livro às vezes dá a impressão de ver o autor caminhando para o Mineirão ou Maracanã, vinagre no bolso e máscara na cara, gritando Abaixo a Copa.

Pequeno tratado do decrescimento sereno, de Serge Latouche

Do não-crescer e sua necessidade

LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. São Paulo: WMF/Martins Fontes, 2009. 170p.

O crescimento viciou a sociedade. Considera-se que ele constitui a única forma de gerar trabalho para os jovens, aposentadoria para os velhos, assistência médica para os doentes, educação para todos e mais portos e linhas telefônicas que por sua vez serão usados para impulsionar mais crescimento. O qual é alavancado pelo consumo cada vez maior e este por sua vez se apoia no tripé publicidade - crédito – obsolescência programada.

Como todo vício, necessita para ser combatido de uma estratégia gradual e radical. Esta é a ideia do professor francês Serge Latouche, que elaborou este livro como um manual para os militantes desta ideia e para os que querem conhecê-la.

O autor argumenta que o crescimento sem limites desafia qualquer pretensão ao bom senso. O planeta é único, e são falaciosas as esperanças de que a tecnologia possa expandir indefinidamente a possibilidade de crescer. Mais do que isso, o modo de vida fundado no consumo esgarça os fios do tecido social. Os Trinta Gloriosos foram os anos que medeiam entre o final da Segunda Guerra e o Crise do Petróleo (1945-1975), em que população pôde aumentar muito seu consumo, particularmente de bens duráveis, e em que a previdência social ampliou sua rede de assistência às pessoas. Essa prosperidade gerou uma massa intoxicada em bens, desligada da vida política e facilmente manipulada por complexos midiáticos (o que ele exemplifica com o fenômeno Berlusconi).

Não se trata meramente de não crescer. Na sociedade atual o parar de crescer causaria uma catástrofe de desemprego e corte da assistência aos mais fracos. É necessário mudar a mentalidade – criar uma sociedade de a-crescimento. Para realizá-la o autor propõe alguns passos entre os quais se destacam o Revalorizar e o Relocalizar. Revalorizar dimensões não-econômicas da vida como a amizade, a contemplação e o não-fazer-nada. Relocalizar as decisões políticas e econômicas em comunidades pequenas. Isso implicaria a forte redução ou supressão do que o autor denomina de necessidades inúteis, como publicidade, turismo de massa e transportes de produtos vindos de longe e que poderiam ser produzidos localmente.  Uma economia mais local também implicaria a adoção de moedas locais.

Em épocas de insatisfação difusa as ideias do autor seduzem e o mínimo que se pode dizer delas é que são oportunas. São necessárias saídas para o mundo e o Decrescimento pode inspirar algumas. Embora se refira constantemente à periferia, o autor reconhece ser um francês escrevendo de um país central. Esta a limitação maior da obra. A crítica que ele faz à sociedade atual no entanto é válida e pode enriquecer qualquer leitor interessado em saídas ao impasse do crescimento.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo, de Ha-Joon Chang

Detonando ideológicas muralhas


Paulo Avelino


CHANG, Ha-Joon. 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo. São Paulo: Cultrix, 2013. 368p.


Os ricos são mais empreendedores que os pobres; o governo é ineficiente e a empresa privada é eficiente; vivemos em uma era pós-industrial – este livro se propõe a detonar essas afirmações e assemelhadas. Que, de tão repetidas, passam por revelações indiscutíveis.

O professor coreano radicado nos EUA Ha-Joon Chang escolheu 23 mantras sobre a economia – e analisou um por um de um ponto de vista crítico. O resultado foi um livro próprio até para o público não especializado. Cada capítulo começa com uma afirmação que contraria as que são diuturnamente marteladas por comentaristas televisivos, polemistas disfarçados de repórteres, blogueiros e pelo colega da mesa do lado. Segue uma contra-afirmação do autor. Depois vêm as evidências sustentando sua tese – geralmente históricas, na maior parte de história recente.

Embora obra leve, o autor se propôs a empurrar muralhas com ela. Poucos estão dispostos a admitir por exemplo que a gestão das empresas não deve estar voltada para o interesse dos donos (cap. 2) ou que os Estados Unidos não têm o padrão de vida mais elevado do mundo (cap. 10). A obra enfrenta o problema de sua abrangência – espalha-se por áreas diversas. Talvez por reconhecer tal problema o autor sugere chaves de leitura - de forma a adequar a obra aos interesses do leitor.

Certas afirmações atingem com a suavidade de uma marreta: a educação, por exemplo, não é a solução. Essa velha crença brasileira desafortunadamente não se alicerça na experiência. Muito da educação simplesmente não tem efeito no aumento da produtividade. A Coreia do Sul começou seu extraordinário crescimento com níveis de educação ainda sofríveis. A educação – diz o autor – deve ser buscada porque enriquece nossas vidas. Não porque garanta desenvolvimento para país nenhum.

A lenda de que o mundo cresceu mais desde os anos 1980, desde que os Estados diminuíram de tamanho, não passa disso: lenda. As estatísticas provam: o mundo crescia mais no tempo de uma economia mais regulamentada.

Os mercados financeiros devem ser menos, e não mais eficientes – é outro ponto do autor. Deve ser regulamentado, assim como a indústria farmacêutica o é. O cérebro humano é capaz de realizar escolhas bem, desde que estas sejam poucas. O Estado faz isso: restringe as escolhas e ao fazê-lo aumenta a possibilidade de escolhas melhores.

Certos pontos levantados pelo autor beiram o psicológico ou filosófico, quando afirma que bastante do que as pessoas fazem não é por egoísmo, ou que muito do que é considerado natural é na verdade fruto de decisões políticas. Nesses momentos a obra aponta para a necessidade de um estudo mais aprofundado. Cada capítulo poderia gerar um livro ou uma biblioteca.

As pretensas verdades combatidas nesta obra invadem tanto as mentes que talvez uma forma de combatê-las seja pela leveza. Esta a escolha do autor, e talvez uma boa escolha.

domingo, 11 de agosto de 2013

A Prosperidade do Vício, de Daniel Cohen



De civilizações, técnicas e desafios

 Paulo Avelino

COHEN, Daniel. La Prospérité du Vice: une introduction (inquiète) a l´économie. Paris: Éditions Albin Michel, 2009. 283p.

Porque o Ocidente ? O mundo se ocidentaliza mas a supremacia poderia muito bem ter cabido à China ou à Índia, ou aos reinos muçulmanos ou aos Incas. Tal pergunta serve de ponto de partida para o livro.

Com tal assunto tão extenso, o autor decidiu focar períodos específicos. O primeiro destes explica o próprio título. A História de Juliete ou as Prosperidades do Vício se trata de uma obra do arquicélebre Marques de Sade, com a temática que se pode imaginar. O professor Cohen faz uma ligação com a lei de Malthus. Comprime a história econômica do mundo desde o princípio até o século XVIII sob a lei férrea dos rendimentos decrescentes da agricultura, comparados com o crescimento em exponencial do número de pessoas. O mecanismo era simples e triturante: a prosperidade econômica ensejava o aumento da população. A maior demanda de alimentos ocasionava a ocupação de terras piores, a inovação tecnológica produzia cada vez menos. A menor disponibilidade de alimentos per capita causava a fome e a população diminuía.

A indústria rompe esta lógica da indigência. Os inovações do século XVIII puxando uma à outra criam uma dinâmica de progresso que evita o gargalo da lei de rendimentos decrescentes mas cria uma ilusão perigosa: a da possibilidade (ou mesmo da necessidade) do crescimento ilimitado.

Este vício se evidencia na resposta que é dada à grande crise do sistema a partir de 1929. O sistema keynesiano e a amplificação da previdência social ocasionaram (para os países ricos ao menos) trinta anos de prosperidade e segurança a partir do fim da Segunda Guerra. Tal sistema entrou em xeque com a crise do petróleo dos setenta porque era um sistema intoxicado em crescimento – tudo estava bem com a economia sempre maior. Quando isso não acontece, o sistema trava.

O constrangimento dado pela possibilidade (ou pela contingência) do não crescimento puxa o fio da última parte do livro, que se refere aos três grandes problemas da atualidade: os recursos ecológicos limitados, o craque financeiro e o capitalismo imaterial, e de quebra o ressurgimento da China e da Índia.

O professor Daniel Cohen traça um painel amplíssimo da economia mundial desde o neolítico. Quis escrever um livro de leitura leve, para não-especialistas, e sem estatísticas: em todo o livro não há um só gráfico ou quadro. Tem o mérito de evitar se constituir em uma torcida pró-liberalismo, como quase todos os livros de economia hoje o são. Com os propósitos de seu autor, a obra ganha em prazer na leitura e perde em rigor. No entanto, na saraivada de opiniões desencontradas sobre o assunto, este livro pode servir como algum guia que sintetize o que aguarda o mundo no futuro próximo.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Raúl Prebisch, de Edgar Dosman

Conversando contra a dependência

Paulo Avelino

DOSMAN, Edgar J. Raúl Prebisch (1901-1986): a construção da América Latina e do Terceiro Mundo. Rio de Janeiro: Contraponto/Centro Internacional Celso Furtado, 2011. 656p.

O adolescente Raúl Federico Prebisch Linares chegou a Buenos Aires em 1918 e o livro inicia nesse momento (para ele) mágico. Não só para ele como para (quase) o país: a Argentina tinha então uma renda per capita superior à da França e à da Itália. Veio fazer parte da primeira turma de economistas da nação.

O livro do canadense Dosman acompanha Prebisch desde seus momentos de estudante solitário e disciplinado. Passa pelos primeiros empregos em associações dos donos de gado e de trigo (e donos também da Argentina), até o momento em que, nos anos trinta, torna-se gerente do recém-criado Banco Central. Nessa posição chave vivencia a (espinhosa) tarefa de administrar uma economia dependente dentro de um sistema econômico mundial em (quase) colapso.

A fragilidade econômica dos países periféricos (e a luta contra ela) marcou sua vida a partir de então. Não era um teórico – a teoria que ganhou seu nome e que advoga a industrialização da periferia não foi resultado de elucubração de biblioteca e sim uma resposta a uma vivência diária, em repartições e mesas de negociação. Demitido ilegalmente por um golpe de Estado, detestado pelo novo dono do governo (um certo coronel Perón), Prebisch aceita (quase a contragosto) um emprego na ONU, na recém-criada (e frágil) Comissão Econômica para a América Latina – a Cepal. Esta se tornaria a tribuna e o apoio de um grupo chefiado por ele que advogava a transformação econômica da região.

Uma rápida passagem malograda pelo governo argentino (em 1955) o leva de novo à Cepal e posteriormente ao mundo: os povos da Ásia e da África, recém-independentes, enfrentavam os mesmos problemas de fragilidade. E Prebisch foi escolhido o secretário-geral de um fórum para tornar o mundo mais equilibrado, a UNCTAD, a Conferência das Nações Unidas para o comércio e o desenvolvimento.

Esta biografia acompanha a trajetória de um profissional extraordinário em partes do mundo que viviam um momento de contrapé: a transformação de grandes fazendas e minas para uma produção mais diversa. A teoria tradicional (feita pelos industrializados) dizia que tais países deveriam continuar sendo fazendas e minas – e Prebisch pôde ver as consequências catastróficas de tal teoria, especialmente durante crises.

Escolheu um método para enfrentar esses problemas tão peculiar quanto os próprios. Prebisch conciliava. Um bom naco de sua vida foi gasto em rodadas de negociação. Argumentava, insistia, apresentava dados, fazia ver as vantagens para todos de um mundo menos injusto. Dois dragões sempre o espreitavam, a arrogância dos fortes e a impaciência dos fracos. Repetia que o confronto não beneficiaria ninguém, que todos deveriam ceder, assim todos ganhariam a longo prazo. E lhe puxavam o tapete, criticavam-no pelas costas (ou pela frente), não cumpriam o acordado. E ele voltava a falar, eterno buscador de consensos, lutador pela melhoria da maior parte do mundo, a parte pobre.

Um bom livro para quem quer ter uma perspectiva da injustiça da economia mundial, e do (longo) caminho para solucioná-la.