Gritando de máscara contra a Copa
HIRSCHMAN, Albert. De Consumidor a Cidadão: atividade privada
e participação na vida pública. São Paulo: editora brasiliense, 1983. 145p.
O economista germano-estadunidense
Albert Otto Hirschman não participou das passeatas que sacudiram o Brasil em
junho de 2013, mas poderia. Ele se intitulava um eterno dissidente –esse é o nome que ele se deu nas suas
memórias. O Brasil não lhe era desconhecido – citava o país com frequência em
seus livros. Ele nos deixou há pouco (morreu em dezembro de 2012) e legou este
pequeno ensaio sobre o que motiva um indivíduo a sair da vida meramente
individual para a participação política, e que o leva a percorrer o caminho
inverso.
O autor procura um modelo que
seja a um tempo cíclico e endógeno – as mudanças de comportamento dependeriam
mais de uma dinâmica própria que de qualquer fator externo, e não teriam
necessariamente um fim. A decepção é o fator central da sua tese.
A vida de viver só para si e para
a família, sem se meter em política, greves, partidos ou outros bichos tem seus
encantos mas há serpentes nesse mato. O s bens se dividem entre os que são
destruídos no ato do consumo e os que não o são. Os primeiros têm a vantagem de
decepcionar menos. É difícil por exemplo decepcionar-se muito com comida – logo
depois vem outra refeição e a experiência má logo é esquecida. Já um carro - que
depois de comprá-lo descobrimos que podíamos ter comprado um melhor por um
terço a menos do preço -permanece como espinho.
E os bens duráveis também se
podem dividir. Há os que são usados todos os dias – e estes, passado o período
de sua aquisição, não causam mais nenhum prazer – embora causem decepção quando
falham. Os bens que são usados de forma mais ou menos rara, como máquinas
fotográficas, podem causar mais prazer, o que não os impede de também
decepcionar.
E o problema: depois de imenso
esforço o indivíduo consegue utilitário esportivo e compras em Miami, e então paira
a terrível pergunta: E daí??
A vida pública pode ser uma
resposta. Mas esta tem também suas arapucas. A participação política devora o
tempo da pessoa. E os resultados são muito aquém das expectativas– estas são
sempre exageradas. Todo militante sonha com mudanças radicais e negligencia as
menores, que são as que ocorrem. E os movimentos políticos têm uma lógica
própria, e frequentemente escapam do controle de seus iniciadores, o que também
gera decepção.
Quem não tem bens quer apenas
tê-los. Quem os tem é que se decepciona. E quem se decepciona é quem se
revolta. A centralidade da decepção também explica que são os decepcionados que
se revoltam, não os destituídos. Semelha com certo país cujas condições melhoraram
um pouco e a população talvez por isso estourou em passeatas.
O autor não se propõe a resolver
a questão. Aponta que tudo talvez tenha como fonte uma separação por demais
radical entre o privado e o público, e uma convergência dos dois talvez fosse uma
solução. #Ficaadica. De qualquer forma lendo o livro às vezes dá a impressão de
ver o autor caminhando para o Mineirão ou Maracanã, vinagre no bolso e máscara
na cara, gritando Abaixo a Copa.
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